terça-feira, 24 de março de 2009

A Educação Profissional Militar e a Emergente Revolução nos Assuntos Militares

A Educação Profissional Militar e a Emergente Revolução nos Assuntos Militares
Gislaine Esnal Garcia

OS TEÓRICOS MILITARES e os estudiosos, ao longo da história, observaram a ocorrência de profundas e descontínuas mudanças na conduta de guerra e, até, na natureza da guerra. Um esforço intelectual significativo concentrou-se, recentemente, em uma emergente "revolução nos assuntos militares (RMA)", uma alteração desse tipo, definida pelo Gabinete do Secretário de Defesa (Net Assessment) como "uma importante mudança produzida pela aplicação inovadora de novas tecnologias que, combinada com operações espetaculares na doutrina militar e nas idéias organizacionais, altera, fundamentalmente, o caráter e a condução das operações militares".
1 A noção de uma RMA difere do conceito soviético de "revolução técnico-militar" principalmente por sua ênfase nos componentes não tecnológicos do poder militar. No paradigma da RMA, o componente "cérebro" é tão importante quanto - talvez, mesmo, mais importante do que - o componente equipamento. Em vista disso, a consideração da área de concentração futura e da conduta na educação profissional militar (PME) pode ser relacionada entre as tarefas mais vitais que o Departamento de Defesa (DOD) tem que enfrentar hoje em dia. À medida que miramos o futuro, assumem, potencialmente, grande importância as respostas a duas questões que se correlacionam. A primeira é: como podemos aumentar a capacidade da PME para melhor entender e explorar o potencial da RMA? A segunda é: como podemos valorizar a própria RMA para aprimorar a PME?
Há evidências de que a educação seja um componente crítico do gerenciamento da mudança e da adaptação em qualquer organização e em qualquer area de empreendimento. À medida que o ambiente e as exigências mudam, as pessoas precisam aprender fatos novos e novos modos de fazer as coisas ou, o que é, talvez, mais importante, novos modos de pensar as coisas que podem equipá-las para viver num mundo novo e muito diferente. Pode-se argumentar que, nas forças armadas, a importância da educação para municiar-nos para mudança revolucionária é maior do que em qualquer outro setor. À medida que o mundo se encaminha rapidamente para um futuro de grande incerteza, a capacidade de nossos oficiais e subalternos de pensar de maneira inovadora e estratégica, de aplicar uma base de conhecimento e faculdades críticas aguçadas a qualquer situação "no meio do vôo" pode vir a ser nosso único grande multiplicador de forças. Se nossas forças militares não compreenderem adequadamente a natureza do ambiente de segurança nacional e não captarem intuitivamente as questões refinadas e as implicações das tendências fundamentais nesse ambiente e no campo de batalha, as conseqüências poderiam ser graves além de qualquer medida. No nível micro, tal incapacidade seria questão de vida ou de morte. No nível macro, seria questão de sobrevivência nacional.
O sistema de PME estabeleceu-se e mantém-se permanentemente avaliado e aprimorado, não por ter em mente qualquer "RMA", mas, certamente, com a compreensão de que não basta treinar os soldados. A PME funciona na interface entre o desenvolvimento intelectual e a arte operacional. Foi planejada para desenvolver soldados, marinheiros e aeronautas com uma capacidade intelectual e operacional sem paralelo. O relatório de 1989 do Panel on Military Education, US House of Representatives (Comissão Skelton), descreve quatro "atributos de um estrategista". Segundo a comissão, um estrategista tem que ser analítico ("capaz de ir além … da competência em qualquer assunto para desenvolver inter-relações"), pragmático ("no topo das tendências emergentes, e permanentemente consciente da necessidade de verificar de novo seus construtos estratégicos"), inovador, e de ampla formação.
2 À medida que entramos num período de tremendas mudanças e crescente complexidade, esses atributos são cada vez mais necessários a todos os oficiais, e a PME precisa continuar permanentemente a empenhar-se por modos de garantir que eles se desenvolvam, modos que, sendo novos, sejam, também, inovadores.
A PME destina-se a fornecer ao estudante três espécies críticas de conhecimento: o ethos, cultura , e valores centrais da sua Força; as habilidades técnicas e táticas adequadas ao modo por que essa Força combate na guerra; e, o que é mais importante, a sabedoria e a prudência a serem aplicadas numa pluralidade de situações. Concebendo-se uma RMA, torna-se, então, importante considerar se e como alguns ou todos esses objetivos tenham, talvez, que ser transformados. O ethos e a cultura de uma Força mudam com as mudanças do mundo, ou são imutáveis? Enquanto muitas das habilidades técnicas e táticas que por muito tempo têm sido necessárias para combater na guerra ainda permanecerão importantes nos campos de batalha futuros, algumas podem tornar-se obsoletas, algumas podem ter sua natureza alterada, e outras e novas habilidades podem tornar-se criticamente importantes. Pode ser que não mude o modo pelo qual a capacidade de julgar dos militares seja aguçada, mas as espécies de situações em que essa capacidade tem que ser exercitada pode ser profundamente diferente daquelas que os soldados têm enfrentado até hoje. O desafio diante da PME é ver sua própria razão de ser pelas lentes do futuro e determinar o modo pelo qual devam ser atendidas exigências que não estão, elas próprias, claramente definidas.
Revolução em Assuntos Militares: O Desafio
Há uma legião de desafios apresentados pela emergente RMA e a PME desempenhará um papel cada vez mais crítico na preparação de nossas forças para entendê-los e enfrentá-los. Basta considerarmos um punhado desses desafios para perceber quão importante será a PME. Em primeiro lugar e antes de mais nada, fazemos face a um ambiente de ambigüidade e incerteza tremendas. Com o fim da guerra fria e com a tecnologia avançando a taxas estonteantes, é um desafio pensar e explicitar completamente as exigências operacionais de curto prazo, quanto mais as de longo prazo. Não está clara a identidade dos competidores futuros. Os novos atores estatais e não-estatais, cujas intenções e capacidades, na maior parte não podemos distinguir, povoam cada vez mais, os cenários. Continuamos a lutar com as implicações de uma ameaça reduzida em termos de superpotências, recursos decrescentes para a defesa e uma pletora de conflitos regionais limitados e operações de não-guerra (OOTW). Já estão germinando as sementes de uma genuína revolução na política internacional que promete mudanças da magnitude das que se seguiram à Revolução Francesa - em 1815, com a Aliança da Europa, em 1870, depois da unificação alemã, em 1919, com o fim da Primeira Guerra Mundial, e em 1945, com o fim da Segunda Guerra Mundial e a criação das Nações Unidas. As características comuns e inquietantes de todas essas transformações internacionais político-militares, inclusive a de hoje em dia, são a incerteza, a vulnerabilidade, a ambigüidade, a complexidade e a mudança. À medida que o mundo muda, os propósitos fundamentais das organizações militares - dos próprios militares - pode mudar. O papel crucial da PME será auxiliar os futuros oficiais a entender como o mundo está mudando e capacitá-los a determinar como as forças armadas têm que mudar para encaixar-se neste novo mundo.
As novas capacidades podem pôr em foco os papéis e as missões das organizações estabelecidas e a importância dos conceitos bem estabelecidos que elas usam - os conceitos ou organizações que os devam substituir não são evidentes. Sem dúvida, se considerarmos a concepção emergente de "guerra de informação", torna-se cada vez menos claro até o que constitui ou não uma ação "militar" e onde está a linha divisória entre guerra e paz. O sistema de PME está singularmente adequado à tarefa vital de preparar chefes militares futuros não apenas para operar, mas para florescer em tal ambiente, para adaptar-se a condições em mutação rápida e para reorientar seus pensamentos e ações em tempo real de acordo com as contingências que podem não ser o que parecem.
Em segundo lugar, a "revolução da informação", oferecendo desde logo vantagens inimagináveis aos guerreiros futuros, também apresenta desafios significativos. A tecnologia que, atualmente, "digitaliza" o campo de batalha (bem como os estudos de estado-maior, aquisição e todos os outros aspectos dos assuntos militares) continuará a progredir, provavelmente com maior rapidez ainda do que hoje em dia. Quem não se sinta bem com a variedade de sistemas automáticos à disposição, ou quem não os entenda e explore adequadamente, estará em uma intolerável desvantagem e sujeito a vulnerabilidade. A importância da informação na guerra rivaliza com a da força explosiva, e é defensável admitir que pode chegar a superá-la. Cada vez mais, a circulação e a manipulação dos dados - bytes e bits - é o elemento indispensável para posicionar forças, levar bombas aos alvos e executar todas as outras funções críticas da guerra. Na revolução emergente, a informação torna-se semelhante a um estoque porque vai perdendo o valor e rapidamente gera uma questão de responsabilidade se não for explorada de um modo tempestivo.
A PME fornece um laboratório na qual o guerreiro futuro pode obter fluência em todos os aspectos da borbulhante revolução informacional. Oferece um fórum onde os estrategistas e os comandantes de amanhã possam definir, em conjunto, a noção embrionária de guerra de informação. É o palco ideal para desenvolver e inculcar a filosofia das ações combinadas exigidas pela guerra baseada em informações. É a jurisdição para se considerar como serão mudados o comando e controle à medida que a informação se torna mais difundida e para expor e analisar as possíveis novas idéias operacionais e organizacionais tornadas uma realidade pelas ligações sensor-disparador em tempo real, bem como para tratar de um grande número de outras questões de tecnologia da informação que ainda não estão sequer identificadas.
O que se pensa hoje sobre a emergente RMA indica que o ambiente futuro será caracterizado por novas áreas de guerra. Em vez dos combates mecanizados de terra, operações com navios aeródromos ou batalhas no mar, termos em que pensam as forças de hoje em dia, as forças de 2020 podem achar-se num mundo de ataques de precisão de longo alcance, guerra de informação, manobra dominadora e guerra espacial. Essa espécie de mudança global nos paradigmas da guerra traz consigo uma multidão de mudanças menos citadas que representarão desafio para as forças futuras. Por exemplo, as novas áreas da guerra exigirão o desenvolvimento de novas doutrinas. Depois de redigidas, essas doutrinas terão que ser assimiladas, criticadas e compreendidas por novas gerações de guerreiros. Coerente com a máxima de que a forma depende da função, novas concepções organizacionais serão necessárias para maximizar nossas capacidades nas novas áreas da guerra. Sem dúvida, exemplos históricos anteriores de RMA sugerem que as novas áreas da guerra se definem menos pelas novas tecnologias do que pelas novas organizações conscientemente planejadas para explorar as tecnologias já existentes, de maneiras sem precedentes. Um exemplo histórico seria a idéia de blitzkrieg da Segunda Guerra Mundial, na qual o exército alemão combinou carros de combate, aeronaves e rádios em unidades Panzer, diferentes da organização de unidades em qualquer exército Aliado.
Podem ser necessárias novas áreas de perícia e especialização. Por volta do ano 2020, o papel de um soldado de infantaria, do piloto de uma aeronave de combate ou do tripulante de um navio pode parecer completamente diferente do que é hoje. A natureza da RMA pode exigir o estabelecimento de outros papéis para complementar ou substituir o dessas forças bem reconhecidas. Pode ser que em 2020 se ache necessário desdobrar combatentes espaciais ou hackers em vez de (ou por acréscimo a) uma força militar mais tradicional. Como as gerações de militares têm permanecido em áreas de especialidade mais familiares, as instituições de RMA serão de importância vital para elevar o treinamento nessas áreas emergentes às alturas de arte consumada, e para refinar os praticantes transformando-os em virtuosos nessas novas áreas da guerra.
Provavelmente haverá mudanças na própria natureza e forma do campo de batalha, e o sistema de PME será fundamental para preparar nossos futuros combatentes para essa mudança. Não há dúvida de que já se está mudando a linguagem para espaço de batalha, um lugar potencialmente muito diferente de qualquer campo de batalha que tenhamos conhecido antes. O espaço de batalha de 2020 pode ser muito amplo geograficamente ; pode ter milhares de quilômetros, literalmente, de largura e profundidade. Pode estender-se para além das áreas geográficas para incluir o espaço e o ciberespaço. Alguns analistas argumentam que ele ultrapassará as três dimensões de largura, altura e profundidade para incluir a quarta "dimensão" do tempo.
A essas mudanças na nossa concepção de onde se travará a guerra, haverá mudanças correspondentes no como ela se travará. O ritmo e o andamento da guerra futura serão sem precedentes. Na futura RMA, os objetivos no campo de batalha - os centros de gravidade - poderão ser fundamentalmente diferentes daqueles que imaginamos hoje. Desde a década de 1980, o exército começou a explorar o conceito de "guerra não-linear". Num paradigma linear, as variações no estímulo são proporcionais às variações na resposta, e o todo é igual à soma das partes (por exemplo, dois homens fazem o dobro do trabalho que um homem pode fazer). Entende-se melhor a não-linearidade em termos da teoria do caos (isto é, "caracterizada por interações aleató-rias, ciclos complexos de retroalimentação e loucas alterações nos resultados baseadas em pequenas variações das condições iniciais").3 Pode ser que a guerra no futuro seja dominada pela não-linearidade, com pequenas unidades de extrema capacidade aprimorada por informação e conhecimento extraordinários do campo de batalha, operando independente-mente uma da outra e de maneira descontínua em termos de tempo, espaço e forças inimigas. As forças militares exigidas para executar com êxito este tipo de guerra precisarão ser educadas em áreas que ainda não estão claras, educação que só pode ser dada pelas instituições de PME do futuro.
Outras características potencialmente definidoras da guerra no futuro espaço de batalha incluem assimetria (atacar ou responder com forças completamente díspares das forças contra as quais se pressiona, com o objetivo de invalidar as hipóteses e os planos do inimigo), não-letalidade (poderia a guerra de informação ou novos agentes neurais ou outros não-letais tornarem-se tão superiores de modo a terem, sozinhos, um efeito decisivo?), ou "desmilitarização" (a guerra de informação é, de novo, um exemplo útil: em que medida poderia a guerra ser travada desde computadores, dentro do país, por indivíduos que jamais vestiram farda?). Os trabalhos exploratórios da RMA, hoje em dia, começaram a considerar as implicações desta e de outras tendências à medida que se relacionam com idéias operacionais e organizacionais futuras, mas isto é só o começo. Uma análise profunda da forma e da natureza do ambiente futuro da RMA é uma atividade ideal para as instituições de PME, combinadas e das Forças, porque é nessas instituições que esse ambiente será compreendido e que os futuros chefes militares serão modelados.
É claro que a discussão anterior é apenas ilustrativa e de modo nenhum exaustiva. Não se trata de insistir na possível aparência da emergente RMA. Embora alguns aspectos desse futuro estejam relativamente claros (por exemplo, a dependência sempre crescente da tecnologia da informação em todos os aspectos dos assuntos militares) a maioria das "respostas" ainda está bem fora do nosso alcance. Em vez disso, a questão é levantar as espécies de temas e problemas que o futuro guerreiro terá que dominar e o exato volume das mundanças intelectuais e operacionais que caracterizarão o ambiente da RMA. Como foi observado no relatório recente de um painel sobre PME conjunta, feito realizar pelo presidente da Junta de Chefes de Estado-Maior, "Agora, mais do que nunca, o corpo de oficiais tem que ser capaz de pensar criativamente, raciocinar criticamente e agir decisivamente diante da ambigüidade e da incerteza; [além disso] eles têm que . . . prever, receber bem e ulitizar a onda de avanço tecnológico que nos varre para adiante".4
Para ter êxito ao navegar nas revoluções do futuro, os oficiais precisarão de maior agilidade mental do que em qualquer época anterior e terão que ser capazes de lidar com um espectro de ideais e habilidades muito maior e mais amplo. Deles se exigirá que pensem não como pedreiros, a quem se dá o material e diz o que fazer com ele, mas como arquitetos, que podem determinar que espécies de estruturas serão necessárias e próprias ao ambiente futuro.5 Mais do que nunca, à medida que a guerra avança por águas ignotas, o aprendizado inovador ao longo de toda carreira será de importância crítica para os militares e outros membros da comunidade de defesa, para acomodar a exigência de "mentalidade de arquiteto". A utilidade e o valor da PME no período que temos adiante não pode ser exagerada.
Precedente Histórico da PME e da RMA
A menção, que se segue, à blitzkrieg é instrutiva para considerar o papel potencial da PME para desenvolver tratamentos novos e revolucionários dos assuntos militares. A ênfase na educação profissional, em geral e de oficiais, na Alemanha, durante o período entre as duas grandes guerras foi gigantesca, e pode-se argumentar que as sementes dessa RMA específica foram plantadas e cultivadas na Kriegsakademie. O Gen Hans von Seeckt, chefe do Estado-Maior alemão e comandante do exército entre 1919 e 1926, instituiu políticas que ampliaram e aprimoraram significativamente a educação do corpo de oficiais que mais tarde desenvolveu a idéia de blitzkrieg e conduziu o exército alemão na Segunda Guerra Mundial. As exigências educacionais para o oficialato foram aumentadas e o programa de instrução para os candidatos aceitos era, segundo James Corum, "um dos mais exaustivos sistemas de treinamento de oficiais jamais concebido".
6 Os aspirantes a oficiais passavam dois anos inteiros em aulas práticas em instrução de tropa, com ênfase significativa no como os desenvolvimentos tecnológicos do tipo da motorização poderiam afetar a guerra futura, no nível tático e operacional. Depois de cumprido esse regime, os aspirantes continuavam sua educação normal em nível de unidade, incluindo-se conferências e seminários, viagens de estudo para examinar problemas táticos específicos em campo e preparação para os exames extremamente difíceis para a admissão ao Estado-Maior.
Os oficiais que tinham êxito nos exames de Estado-Maior ingressavam em um período adicional de quatro anos de educação e treinamento, que continuavam a enfatizar as aplicações tecnológicas, a solução de problemas táticos de nível superior (regimentos, divisões, corpos de exército e exércitos combinados) e idéias inovadoras sobre o combate na guerra. A pedagogia ajudava conscientemente uma tal inovação. Por exemplo, não havia soluções "corretas" para os problemas táticos. A resposta de cada oficial era julgada individualmente e debatida em seminários. O sistema de PME na Alemanha, no período entre as guerras, caracterizou-se pelo seu amplo currículo, pela pedagogia orientada para prática, pela ênfase nas idéias operacionais e nas tecnologias de ponta, concentração em forças combinadas e inculca do pensamento independente. Quando o exército alemão lançou seus ataques-relâmpagos na Europa, em 1939 e 1940, os oficiais que os chefiavam tinham passado por um processo educacional sem precedentes. Esse exército reorganizado executou uma idéia operacional revolucionária, que não poderia ter sido concebida - pode-se argumentar - sem tão grande ênfase no de-senvolvimento profissional dos oficiais.
7 As forças armadas dos Estados Unidos também passaram por um começo de RMA, no período entre guerras, que exploraram com sucesso avassalador na Segunda Guerra Mundial. Como no caso alemão, não se pode exagerar o papel da PME em promover essa RMA. A vitória das forças americanas contra o Japão foi tornada possível por novas organizações e operações - aviação embarcada, flotilhas em torno de navios-aeródromos e "assaltos às ilhas" - desenvolvidos penosamente ao longo de muitos anos em jogos de guerra no Naval War College, em Newport, Rhode Island. Em Newport, o programa era diferente do que qualquer outro havia sido antes ou seria depois, ao valer-se quase totalmente dos jogos de guerra como método pedagógico. Por exemplo, em 1932, trezentos e quatro dos trezentos e vinte e seis dias do ano acadêmico destinaram-se a jogos de guerra.8 Por mais de duas décadas a PME no Naval War College desempenhou um papel crítico no desenvolvimento de uma nova visão estratégica e na área de concentração operacional da Marinha dos Estados Unidos. Especialmente a partir de 1930, os cenários e planos dos jogos puseram idéias à prova para operações anfíbias de larga escala, conjuntas, do exército e da marinha, tendo as guerras longas, travadas a milhares de milhas através do Pacífico, sido tornadas possíveis pelos comboios navais logísticos e operações de aviação embarcada que, à época, eram meros conceitos.
Os jogos de guerra de Newport forneceram aos comandantes futuros da Segunda Guerra Mundial a oportunidade de familiarizarem-se em pensamento e de experimentarem reiteradamente exigências operacionais de uma guerra diferente de todas as outras que a Marinha houvesse planejado ou na qual houvesse combatido. Fato importante é que os de-senvolvimentos mais recentes de aeronaves e outros avanços da tecnologia eram continuamente introduzidos nos jogos e testados, tanto quanto possível, em exercícios da esquadra elaborados em torno das idéias dos jogos de guerra do College. Segundo Michael Vlahos, "ao longo do período entre guerras, [Newport] era o teatro de operações da War Plans Division. Em jogos de guerra e na análise posterior deles, os planos de Washington contra [o Japão] foram testados e medidos, escoimados e reaplicados. Newport era o laboratório".9 O fato de que esses planos produzissem as minúcias de um novo tipo, revolucionário, de guerra mostra a importância desse caminho escolhido pela escola militar. Apenas nesse palco este processo de experimentação e aprendizado sem precedentes, trabalhoso e deliberado poderia ter sido executado.
Com exceção do Naval War College, as instituições de PME em nível superior (isto é, escolas de guerra e escolas de comando e estado-maior) não se dedicaram à inovação, no período entre guerras, na mesma medida que as escolas mais especializadas de níveis inferiores (por exemplo, a Army Infantry School). O impacto da PME na inovação militar durante esse período variou, também, com a Força. Por exemplo, o Army War Col-lege, a US Army Command and General Staff School e o Army Industrial College preparavam, todos eles, oficiais para o planejamento da mobilização, bem como, para as obrigações de estado-maior em níveis variados. Essas instituições transmitiam doutrinas já com larga aceitação, mas experimentaram ou inovaram pouco. Concomitante, cada uma das armas do Exército mantinha sua própria escola, como fazem ainda hoje. Nesse nível é que os estabelecimentos educacionais do Exército tinham a missão explícita de desenvolver novas táticas, armas e doutrina. Essas escolas funcionaram como think tanks e trabalharam estreitamente ligadas ao departamento e às seções do estado-maior encarregados de desenvolver inovações doutrinárias e de armamentos. Entre as inovações desenvolvidas nessas escolas de armas contam-se as primeiras teorias de bombardeio estratégico (Air Corps Tactical School), guerra mecanizada (Cavalry School), e a integração de rádios e radares em campanhas terrestres (Signal Corps School). Infelizmente, as estrutura do sistema de PME não estava bem planejada para institucionalizar tais inovações. Os conceitos que emergiram das escolas de armas tenderam ao desenvolvimento isolado, em parte porque as instituições de nível superior não fizeram muitas tentativas para integrar as novas idéias para aplicação em toda Força. As tentativas que se fizeram, principalmente através de estudos em nível do Estado-Maior, também não tiveram muito êxito. E o que é mais importante: não existia uma agência doutrinária para reunir os estudos e as experimentações em processo, as lições das inovações observadas no estrangeiro e as lições oriundas de exercícios de treinamento.10
PME e RMA: Presente e Futuro
Os exemplos acima só tocam ligeiramente no papel da PME nessas duas RMAs históricas. Destinam-se, apenas, a indicar o valor dúplice da PME na adaptação a períodos de profundas mudanças na guerra - o ensinamento específico, substantivo, que ela oferece e a aprendizagem atitudinal genérica que torna possível. É importante considerar a PME no contexto de uma RMA por causa do impacto que essa educação específica pode ter sobre o oficial-aluno, tanto em termos de conhecimento factual quanto - o que talvez seja mais importante - em termos de modos de pensar ou ver o mundo. A PME é o caminho ao longo do qual os futuros chefes militares podem absorver o conhecimento mais atualizado sobre tendências em política, relações internacionais, economia, tecnologia e assim por diante. Além disso, ela oferece a oportunidade para que esses oficiais aprendam o estado da arte na estratégia militar e no planejamento operacional. Por muito tempo, essas áreas têm sido um material crítico para o aperfeiçoamento do oficial na PME , e continuarão a ser pré-requisitos à compreensão da natureza da guerra e da conduta nela.
Um dos grandes desafios, ao considerar a PME do futuro, é determinar o quanto da necessária "perspectiva de RMA" fica fora dessas áreas, e como isso ocorre. Em que medida o futuro planejador da guerra e o comandante de campo precisam dominar as filigranas da teoria do caos ou da programação de computadores? Uma base em biotecnologia ou antropologia poderia vir a ser um pré-requisito para dirigir futuras avaliações de ameaças? Quanto poderia contribuir um curso em inovações bem e mal sucedidas em negócios comerciais para o desenvolvimento de futuros idealizadores e gerentes de programas do DOD? O futuro se caracterizará por uma interdependência sem precedentes das informações e pela erosão das "paredes" entre as áreas de conhecimento. Neste futuro, estaremos voltados crescentemente para a PME em busca do desenvolvimento de lideranças que possam arcar com uma educação em uma pluralidade de áreas, inclusive as que agora podem parecer bastante fora do que se tem considerado, tradicionalmente, assuntos militares.
A PME pode ser o caminho para que os líderes futuros agucem sua capacidade de pensar de maneira inovadora e futurista, e isso é tão importante quanto qualquer área específica de conhecimento. Não há dúvida de que o impacto da PME na futura visão de mundo dos oficiais é especialmente importante à medida que entramos num período de mudança potencialmente revolucionária. O relatório da Comissão Skelton deu atenção considerável ao papel da PME em promover as ações combinadas. Segundo a comissão, a PME deveria desenvolver familiaridade não apenas com as missões práticas e capacidades da Força específica de um oficial, mas, também, com o planejamento e direção de operações de forças combinadas. Olhando para o futuro, parece útil pensar sobre a PME em termos similares, mas quando a comissão fala de ações combinadas substituir por RMA.
Por exemplo, sublinha-se que tanto a PME da Força quanto a combinada deveriam contribuir amplamente para promover uma perspectiva de forças combinadas, e que ambas deveriam ajudar na conformação de atitudes relativas ao emprego de forças combinadas. Será importante para a PME, no futuro, promover, de maneira análoga uma "perspectiva da RMA" como a mencionada no parágrafo acima - uma compreensão de base ampla de que o mundo em 2020 parecerá profundamente diferente do mundo de hoje, e a sensação de estar à vontade com tecnologias grandemente adiantadas e com modos de fazer a guerra anteriormente desconhecidos. O comandante de campo do futuro precisa sentir-se à vontade com o prospecto de desenvolver e empregar "forças oriundas da RMA" que, na maior parte dos casos, sequer existem ainda. Sem dúvida, num tempo de mudanças fundamentais, a PME é a arena ideal (e talvez a única) para que futuros comandantes e executores, em grupo, possam identificar, por si próprios, que novas espécies de capacidades e idéias são necessárias e como devem ser empregadas.
Nessa mesma vertente, tanto a PME das forças quanto a conjunta têm, em grande parte, a função de desenvolver uma compreensão de como as Forças diferentes e as armas diferentes trabalham juntas de maneira ótima. No futuro, será crítico para a PME desenvolver, em sua população discente, um senso de como as novas áreas da guerra se integrarão e como contribuirão, cada uma delas, para o aperfeiçoamento e o apoio da outra. Até hoje, a análise indicou que "a RMA" será uma interseção de um diagrama de Venn cujos círculos sejam as áreas de ataque de precisão, a guerra de informação, a predominância na manobra e a guerra espacial. Se essas quatro são ou não as áreas "certas" da guerra é irrelevante no contexto deste ensaio. O argumento é que a vitória residirá numa fusão complexa de capacidades ao longo do espectro da guerra num grau que mesmo as atuais noções de guerra combinada não podem ainda indicar. As idéias operacionais e organizacionais deste novo modo de fazer a guerra ainda não existem e a PME pode fornecer um laboratório singularmente capaz para o desenvolvimento dessas idéias e seu teste.
É importante observar que as instituições da PME são uma arena de desenvolvimento da doutrina. Isto é verdade, em especial, para as instituições de PME do Exército (por exemplo o Army Command and General Staff College, onde uma das metas fundamentais é desenvolver a doutrina das armas combinadas e auxiliar o processo de sua integração em todo Exército); mas, em menor medida esta é uma característica de todas as escolas das Forças. O relatório da Comissão Skelton atribui grande ênfase ao papel potencial da PME no desenvolvimento de uma doutrina combinada, sugerindo que às escolas da National Defense University (NDU), em especial, "seja dada maior parcela de responsabilidade para . . . desenvolver uma doutrina combinada capaz de funcionar [e] idéias práticas e procedimentos organizacionais correlatos".
11 Do mesmo modo, as instituições da PME representam um caminho ideal para o desenvolvimento de uma "doutrina da RMA" que modularão, de maneira subjacente, a guerra combinada do futuro, em termos de armas e de forças, baseada na informação altamente fluida e complexa. O desenvolvimento de uma doutrina assim será um processo longo e doloroso, já que apenas começamos a compreender e explicitar a forma e a natureza da emergente RMA. Não há dúvida que, quase certamente, é cedo demais para desenvolver uma doutrina autorizada ou prescritiva para a RMA. A doutrina final da RMA será um produto oriundo de ampla e livre experimentação, com fermento intelectual. Ao prover um ambiente que promova e apóie essa experimentação, a PME será o instrumento adequado para que nos movamos por esse caminho.
Inovações no Processoe na Pedagogia
Tal qual ocorre com o aspecto substantivo, o processo da PME enfrentará, também, uma gama de desafios e oportunidades sem precedentes, no futuro ambiente da RMA. As inovações em tecnologia educacional e métodos pedagógicos, que, em si e por si, podem ter pouca coisa a ver com assuntos militares, merecem uma avaliação pela sua aplicação potencial na PME. Embora algumas inovações possam facilitar a educação militar de maneiras singularmente valiosas, outras podem ser impróprias ou, mesmo, prejudiciais no contexto singular da PME. É importante considerar como as técnicas de "educação à distância" (por exemplo, cursos difundidos via satélite ou videoteipe, seminários interativos on-line, etc), programas instrucionais multimédia, inteligência artificial e "sistemas especialistas", realidade virtual e uma multidão de outros dos chamados instrumentos de hipereducação poderiam ser utilizados na PME. Incorporar essas inovações à PME traz, à primeira vista, benefícios diretos e indiretos: sendo atraentes por seu potencial de facilitar a aprendizagem, o que é correto, esses instrumentos e metodologia também ampliariam a familiaridade do oficial-aluno com tecnolo-gias e procedimentos que provavelmente dominarão o futuro ambiente operacional e de planejamento, auxiliando na compreensão dessas tecnologias.
Uma gama de tecnologias adiantadas e outros recursos de informação tem que ser considerada por sua utilidade potencial na PME: por exemplo, pode-se utilizar circuitos neurais disponíveis comercialmente para conseguir grandes resultados em muitos tipos de cursos, como instrumentos sob medida para apoio da tomada de decisão, preparando os alunos para usar tecnologias semelhantes que talvez tenham um papel preeminente no campo de batalha do futuro. Crescentemente, instrumentos sofisticados estão sendo planejados para auxiliar os usuários na busca e exploração das fontes de dados que proliferam grandemente. A maior parte desses instrumentos é capaz de classificar e avaliar qualitativamente a informação em face de metas e objetivos especificados, e até desenvolver, dinamicamente, um novo cálculo da situação à medida que a informação adicional chega durante o processo de tomada de decisão pelo usuário. Essas tecnologias também terão um lugar importante no planejamento de operações militares e podem e devem ser incorporadas aos programas de PME. Os instrumentos que se desenvolvem atualmente para visualização e "garimpo de dados" são ainda mais incomuns. Eles são planejados para construir um "mapa" gráfico para usuário de conexões entre conceitos e dados que não são conexos mas que se relacionam. Acredita-se que essa tecnologia tenha um grande potencial para incrementar a compreensão e a retenção de idéias e informação, já que a pesquisa indica que o cérebro humano responde de maneira diferente e, de certa forma, com mais eficácia a indícios visuais do que ao texto.
Embora a quantidade de informação e de conhecimento que o pessoal militar tem que assimilar cresça exponencialmente, o dia continua a ter apenas 24 horas. Será, portanto, importante que se continue a incrementar a produtividade educacional na PME, mediante o uso amplo de tecnologia educacional adiantada e de novos tratamentos pedagógicos. A Air Command and Staff College (ACSC) na Base Aérea Maxwell, Alabama, deu grandes passos nessa área, e progressos similares estão ocorrendo, crescentemente, em outras instituições de PME. Na ACSC, cada aluno recebe um poderoso computador laptop, no qual foi carregado todo o programa de estudos "isento de papel" da escola, no começo do curso. O currículo foi completamente reestruturado segundo linhas multidisciplinares, entre áreas de especialidade acadêmicas e militares. Os alunos, quando chegam, recebem 100 livros que serão deles depois da graduação e que vão de Sun Tzu a Alvin Toffler, de textos escolares sobre negócios a ficção científica. O tempo de contato (aula) foi reduzido em benefício da pesquisa independente e de grupo e da aprendizagem afetiva. Freqüentemente, os resultados dos projetos de pesquisas de um estudante são incluídos no programa para uso das turmas subseqüentes, às vezes sob a forma de software extremamente adiantado. O programa na ACSC é uma combinação singular de matéria tradicional e nova, concebido e executado com a perspectiva do futuro high-tech, e deve-se considerá-lo como precursor na direção que a futura educação superior talvez tome.
Ainda não foi proferido um veredicto quanto às espécies de tecnologia e de outros tratamentos da educação sugeridos acima, mesmo em círculos civis. Contudo, o trabalho em curso em instituições de vanguarda como o Learning Research and Development Center, o Institute for the Learning Sciences e o Institute for Academic Technology indica benefícios significativos. O futuro high-tech da PME também se considera em um estádio igualmente inicial, mas um olhar sobre essas questões e expectativas através das lentes de uma RMA seria de grande valor potencial. Como foi sugerido acima, alguns fatores específicos à PME podem depor contra técnicas educacionais que, em outros campos, seriam consideradas salutares. Por exemplo, uma tendência que se destaca na educação na última década é a da "aprendizagem assíncrona" quer dizer, programas individualizados de aprendizagem nos quais o ritmo e conteúdo são definidos pelo aluno, em grande medida ou completamente. Embora inovador, um programa que fosse planejado para deixar que os oficiais configurassem sua educação baseados em interesses individuais e preferências quanto aos modos de aprendizagem pode não ser apropriado para o ambiente singular da PME, visto a importância crítica da uniformidade na base de conhecimento de nossos futuros chefes militares.
De modo similar, a extensão lógica (inevitável para alguns) das idéias de educação à distância é um sistema sem escolas ou aulas; todo ensino e aprendizagem se faria on-line ou mediante alguma outra combinação de instrumentos de hiperaprendizagem.12 Nisto, de novo, poderia haver benefícios inequívocos. Talvez seja ainda mais obvio que num tempo de orçamentos contraídos e reduções de pessoal se devessem economizar quantias significativas ao não enviar milhares de oficiais, a cada ano, para PME presencial. Os oficiais poderiam passar mais tempo em encargos operacionais enquanto aprimorassem sua educação profissional. Porém, tanto quanto a escola elementar e a escola secundária são valorizadas por seu papel na socialização primária, também a PME fornece um componente afetivo vital e não está claro em que medida o esprit de corps e a mentalidade e a perspectiva de grupo, tão fundamentais para as operações militares, poderiam ser reproduzidos num ambiente de PME "virtual".
Questões e Considerações
Diversas questões específicas correlacionadas devem estar no centro do debate da PME futura.
Livros ou Hipertexto?
A questão do tratamento pedagógico vem em primeiro lugar. Deve a PME adotar um tratamento novo high-tech ou deve conservar o modelo de sala de aula, livro e exposição? Devemos tender para um programa de PME virtual ou continuar a exigir que ela seja ministrada em regime presencial? Semelhantes questões são red herrings [manobras diversionistas]. Como toda educação superior, a PME tem que elaborar um equilíbrio idiossincrásico do novo e do velho, do comprovado e do inovador. O ensino à distância ou virtual oferece um certo número de benefícios, principalmente a flexibilidade que permite a alunos e professores decidir objetivos educacionais de imediato.13 Por outro lado, com essa forma de tratamento, perde-se a capacidade de concentrar o tempo na educação. O aluno em uma instituição de PME presencial dedica-se à PME e nada mais, e não fica obrigado a só continuar sua educação nas horas vagas, só quando outros deveres e perturbações o permitam. De maneira semelhante, as tecnolo-gias educacionais podem facilitar a transmissão de muita informação, mas é inadequado a informação pela informação. A PME é muito mais que a transmissão de fatos. Diz respeito a inculcar capacidade analítica, pensamento crítico, consciência ética e sabedoria. Há quem ache que um tratamento baseado em tecnologia não se presta bem a esse tipo de aprendizagem mais na esfera afetiva; tais idéias e habilidades só poderiam ser comunicadas na interação face-a-face. A aprendizagem na esfera afetiva - os alunos aprendendo uns dos outros e absorvendo a experiência de seus antecessores - continua a ser, claramente, da mais alta importância, mas pode e deve ser facilitada por novas tecnologias educacionais, redes eletrônicas e outros meios tecnológicos.
Filosofia Pedagógica
Mais importante ainda do que qualquer debate quanto a técnicas e tecnologias é a questão da filosofia pedagógica. A pedagogia tradicional não mais é válida, simplesmente, para a PME ou para qualquer outra forma de educação superior. Um tratamento pedagógico centralizado no professor e nos ensinamentos ( isto é, caracterizado por uma transmissão de informação relativamente passiva, sob a forma de conferências dadas por especialistas para alunos receptores tem que ser substituído por um tratamento pedagógico centralizado no aluno e na aprendizagem - um processo partícipe e calcado na experiência, no qual a informação é trocada em um diálogo bilateral entre "inquisidores recíprocos". A PME tem que se desenvolver a partir desta transmissão e absorção passivas da informação, para chegar ao envolvimento ativo na construção do conhecimento - da aprendizagem em aula para a fusão, no mundo real, da teoria e da prática; da orientação pelo texto e pelo discurso para as representações múltiplas dos conceitos, e da aprendizagem como um ato individual segregado para a aprendizagem como um ato em colaboração, no contexto de outras idéias.14
A PME tem que se tornar crescentemente orientada pela demanda, por oposição à orientação pela oferta. Pode ser útil pensar em termos de um paradigma de "aprendizagem de precisão" em que os estudantes podem estruturar seus programas educacionais de acordo com suas principais necessidades de aprendizagem, com o ritmo e no nível que lhes sejam mais apropriados. Uma interação maior entre os alunos e os corpos docentes e administrações da PME no desenvolvimento e na permanente evolução e estruturação de programas resultará em aprendizagem mais eficiente e eficaz. Precisamos de mais minicursos acerca de tópicos específicos, "instantâneos", desenvolvidos e executados em tempo real, como resposta a exigências individuais e educacionais em rápida mudança. O ideal é que se desenvolvessem esses cursos no nível combinado com uma mobilização de corpos docentes, tecnologias e outros recursos de instituições da PME, de forças singulares, para atender a necessidades de momento, ao mesmo tempo que continuem buscando seus objetivos mais permanentes.
A Estrutura da PME: Superandoa Ortodoxia Institucional
Também precisamos considerar a estrutura do sistema global de PME. Continua grande a importância de uma educação cujas especificações sejam fixadas pelas forças singulares, e isto não vai mudar enquanto existirem forças singulares. Contudo não é intuitivamente claro se essa especialização da educação deve continuar em instituições separadas, específicas de cada Força. Talvez campi individuais devotados a uma força singular específica ou a um tipo específico de atividade militar (por exemplo, atividade de comando e estado-maior ou planejamento em nível operacional) devam coexistir com campi múltiplos via satélite pelo mundo afora. Num futuro previsível as forças singulares devem manter suas instituições de PME, mas a cooperação entre elas tem que ser aperfeiçoada para preservar recursos, para otimizar o uso de novas tecnologias e para alcançar resultados comuns a elas, de natureza combinada. Em vez de fundir formalmente instituições, de modo que os componentes individuais dessa fusão deixem de existir, as Forças podem e devem fazer mais no sentido de fundir "virtualmente" suas instituições (isto é, conectá-las mediantes redes de computadores, compartilhar membros do corpo docente, etc…).
Uma questão distinta, mas correlata, tem a ver com saber se necessitamos de instituições de PME completamente novas à medida que a emergente RMA se desenvolva. Alguns acreditam que novas instituições de PME serão críticas e que será insuficiente acrescentar, simplesmente, uma hora ou duas sobre instrução sobre as RMA aos programas estabelecidos nas instituições existentes, e apontam, como exemplo, o estabelecimento recente do Information Resources Management College na NDU. Outros argumentam que, embora o estudo e a consideração das implicações da revolução da informação e da RMA sejam importantes, concentrar a PME futura nessas idéias apenas, excluindo as idéias mais tradicionais da guerra e da segurança nacional, seria um erro. Separar a consideração de novos conceitos da guerra em instituições distintas pode ser, na verdade, exatamente o mau caminho de conduzir o pensamento das forças armadas, como um todo, para uma RMA emergente. Isto traria o risco de deixar intatos nas instituições existentes atualmente as velhas hipóteses e os velhos modos de pensar, que continuarão a ter uma influência significativa sobre sucessivas gerações de oficiais. Se é necessário formar massa crítica em torno dos conceitos da RMA emergente, um tratamento mais eficaz talvez seja dar a esses conceitos um lugar preeminente, embora não exclusivo, nos atuais cursos e instituições.
Temos que continuar a pensar na PME como um sistema abrangente do começo ao fim da carreira, integrado com o de treinamento. Do mesmo modo que ocorre no mundo civil, é absurdo pensar que hoje em dia a educação de um soldado ou de um oficial possa chegar a um término. Precisamos reservar tempo e conceber métodos para permanentemente aprofundar conhecimento e aguçar habilidades. Atualmente, temos poucos cursos de revisão ou outros caminhos institucionalizados pelos quais possamos aprimorar e consolidar a educação recebida numa escola superior de guerra ou de comando e estado-maior. Uma única passagem por uma instituição de PME específica talvez não seja a preparação adequada para um ambiente político- militar global em rápido câmbio. Vale a pena pensar em como os futuros soldados talvez se beneficiassem de incidências de PME em suas carreiras que fossem periódicas, breves, mas concentradas, ou de um sistema de PME basicamente continuada, com o auxílio de técnicas e tecnologias de aprendizagem à distância mencionadas acima.
Novos Corpos Docentes
É importante, também, considerar a questão da composição apropriada do corpo docente na PME futura. Precisaremos de diferentes espécies de especialistas para completar os corpos docentes das instituições de PME, em todo o sistema, porque a tecnologia e idéias novas, como, por exemplo, complexidade e teoria do caos, serão grandes responsáveis pela orientação da revolução militar emergente. Historicamente, a maioria dos membros do corpo docente se tem dedicado às ciências sociais. Ainda temos grande necessidade de conservar essas pessoas para transmitir aos alunos os aspectos intangíveis da guerra (a sabedoria, a capacidade de julgamento e a experiência histórica que está no núcleo da guerra, e, assim, tem que estar no núcleo da PME). Mas temos que complementá-los com mais engenheiros, cientistas da computação, psicólogos, biólogos e outros que possam promover a visão e os novos modos de pensar relativos às novas espécies de problemas militares que é provável que enfrentemos.
É bom ter presente o exemplo do grupo sem fins lucrativos National Faculty quando se pensar em como manter-se atualizado com as exigências de mudança nos corpos docentes da PME. Essa organização conserva bases de dados e emprega uma gama de tecnologias para "importar" virtualmente professores e outros estudiosos de todo o país para lugares afastados, capacitando-os a ensinar simultaneamente em uma pluralidade de lugares. Esse modelo poderia ser aplicado de maneira útil na PME para instituir um corpo docente disperso nacional e, talvez, mesmo, ter os egressos mais brilhantes das instituições de PME como membros virtuais do corpo docente, ensinando desde o campo.
O Corpo Discente: A Quem Devemos Educar?
Também temos que considerar a área de concentração da PME futura e decidir se ela deve continuar a ser uma conservadora da elite ou se deve se tornar uma atividade mais de massa. A RMA emergente exigirá um nível maior de sofisticação intelectual por parte de todo o pessoal. Ao mesmo tempo, as forças armadas, como qualquer organização, só vão produzir um punhado de estrategistas - uma pequena elite inovadora - junto com um grupo maior de indivíduos que absorverão e tornarão realidade as idéias desenvolvidas pelos outros. Será que a PME deve continuar a ser estruturada para o primeiro grupo, para garantir que idéias novas revolucionárias sejam, de fato, desenvolvidas? Em sentido oposto, será que tais inovações podem ser tornadas realidade por forças militares que não estejam sendo educadas nas salas de aula segundo os modos da RMA emergente? A questão é como equipar apropriadamente a RMA para ambos os tipos de pessoas, já que o tipo de educação exigido por um será, provavelmente, muito diferente do exigido pelo outro.
Pode ser que a RMA emergente exija o desenvolvimento de uma superestrutura - um corpo de trabalhadores do conhecimento que terão missões e responsabilidades muito mais amplas e diversas do que chefiar forças em combate. Ao mesmo tempo, deveríamos difundir e aprofundar a PME por todas as forças à medida que nos valemos crescentemente do pessoal de todos os postos e graduações para executar tarefas e empregar conceitos tão diferentes e mais desafiadores do que os conhecidos hoje. Vale a pena pensar em adotar e estender aos outros níveis e instituições da PME o tratamento pedagógico que se verifica agora no segundo ano dos programas da escolas de comando e estado-maior das Forças, em que um grupo de elite é selecionado em meio ao corpo discente, num processo altamente seletivo, para freqüentar um curso adiantado.
Incubadeiras da Inovação
Por fim, temos que insistir no papel crítico da PME como santuário de idéias heréticas. Num período revolucionário, pode-se argumentar que as instituições de PME são o único setor das forças armadas em que as pessoas podem questionar as práticas e as teorias aceitas sem prejudicar as operações cotidianas. Numa época revolucionária, nosso único recurso será descarregar algumas dessas práticas e teorias aceitas e substituí-las por conceitos sem precedentes. As instituições de PME têm que ser os bastiões do pensamento independente - e, mesmo, do pensamento iconoclasta - onde tais idéias possam ser geradas e a partir de onde elas possam ser introduzidas na corrente principal do pensamento militar. Para que isso aconteça é necessário que as instituições se comprometam a proteger e a municiar as pessoas que assumam esses riscos intelectuais. Os sinais distintivos da futura PME, para fornecer uma educação à altura dos desafios da RMA, têm que ser um currículo interdisciplinar, liberdade acadêmica do corpo docente e a tomada em consideração de uma gama de idéias provindas de toda e qualquer fonte intelectual.
Conclusão
Os temas e questões suscitados por este artigo são críticos para o futuro da PME e, com maior amplitude, para o desenvolvimento dos assuntos militares. As inovações tecnológicas e pedagógicas já começaram a surgir por todo o sistema da PME. Uma das metas dessa discussão é considerar de que modo tais inovações poderiam facilitar nossa adaptação a uma emergente RMA e nossa exploração dela. Uma questão ainda mais importante é o conteúdo substantivo da PME no contexto de uma RMA (isto é, o conteúdo e os objetivos educacionais dos diversos programas da PME). Neste ponto, não se pretende fazer previsões ou recomendações a respeito de o que deveria ser ensinado e aprendido numa PME futura; tampouco pretende-se sugerir como se deva ensinar na futura PME. Tal qual ocorre com a própria RMA, é ainda muito cedo no processo intelectual para proferir julgamentos definitivos nessas áreas.
O que se pretende, antes, é começar a pensar, à luz da emergente RMA, o que deveria ser aprendido na PME, quem deveria aprendê-lo, como deveriam ser ensinados os futuros oficiais e quem deveria ensinar a eles. Pretende-se fazer avançar o processo intelectual e refletir acerca de como um período de mudanças revolucionárias nos assuntos militares poderia tanto afetar o conteúdo e o processo da PME quanto ser afetado por ele. Este artigo não fornece respostas. Devemos, de preferência, formular perguntas a respeito da RMA aos atuais professores da PME, aos que desenvolvem os programas e aos outros especialistas em educação, porque eles têm a especialização que lhes permite responder melhor essas perguntas. Por exemplo: que questões substantivas relacionadas com as novas áreas da guerra, que estão aparecendo, serão mais importantes para serem consideradas nos currículos da PME, à medida que se desenvolvam? Que questões substantivas relacionadas com as novas áreas da guerra que estão aparecendo serão de tratamento mais difícil na futura PME? Quais as competências fundamentais que serão mais importantes para serem amparadas pela PME? Quem serão os educadores na futura PME e que background devem ter? Quais das tecnologias educacionais atuais ou emergentes podem auxiliar melhor a PME? Que efeito terão sobre a PME as inovações potenciais de natureza organizacional nas forças armadas? Como pode a PME favorecer a mudança organizacional? Como pode a PME abrigar melhor o pensamento inovador e heterodoxo de nossos futuros chefes militares e a disposição deles de assumir riscos intelectuais.
A excelência intelectual necessária para que as forças armadas dos Estados Unidos sejam vitoriosas numa época de incerteza e mudança profunda só pode deitar raízes, de maneira realista, na arena da PME. O ambiente da RMA emergente exigirá deslocamentos fundamentais em nosso pensamento, e o papel da PME em esclarecer a natureza e a direção desses deslocamentos - até mesmo ao nos habituar à idéia de que esses deslocamentos são necessários - será de tremenda importância.
Notas
1. Andrew W. Marshall, director of net assessment, Office of the Secretary of Defense, memorandum, 23 August 1993.
2. House, Report of the Panel on Military Education of the Committee on Armed Services, 100th Cong., 1st sess., 21 April 1989.
3. Michael J. Mazarr, "The Revolution in Military Affairs: A Framework for Defense Planning" (Trabalho apresentado na US Army War College Fifth Annual Conference on Strategy, Carlisle Barracks, Pa., April 1994).
4. A Strategic Vision for the Professional Military Education of Officers in the Twenty-First Century, Report of the Panel on Joint Professional Military Education of the Chairman, Joint Chiefs of Staff (Washington, D.C., March 1995), 5-6.
5. O estabelecimento da analogia se deve ao Cel John Warden III, USAF (na reserva).
6. James S. Corum, The Roots of Blitzkrieg: Hans von Seeckt and the German Military Reform (Lawrence, Kans.: University Press of Kansas, 1992), 82.
7. Veja-se, para uma fundamentação adicional mais minu- ciosa da PME e do sistema de treinamento alemães no período entre as guerras, ibid., 68-96; Martin van Creveld, The Training of Officers: From Military Professionalism to Irrelevance (New York: Free Press, 1990), 28-34; e David N. Spires, Image and Reality: The Making of the German Officer, 1921-1933 (Westport, Conn.: Greenwood Press, 1984).
8. Michael Vlahos, The Blue Sword: The Naval War College and the American Mission, 1919-1941 (Newport, R.I.: Naval War Col-lege Press, 1980), 134. Esse livro contém um retrato extraordinariamente rico e minucioso do programa do Naval War College no período entre as guerras.
9. Ibid., 114.
10. Discutido com o Dr Allan Millett, Mason Professor of Military History, Ohio State University. Exposição na Conferência sobre Educação Profissional Militar e a Emergente Revolução nos Assuntos Militares, National Defense University, Washington, D.C., 22-23 de maio de 1995.
11. Report of the Panel on Military Education, 63.
12. Ver Lewis J. Perelman, School's Out: A Radical New Formula for the Revitalization of America's Educational System (New York: Avon Books, 1992).
13. As vantagens e desvantagens de uma "PME virtual" são discutidas em "Professional Military Education (PME) in 2020", elaborada por alunos e professores da Air University, Maxwell AFB, Ala., em junho de 1994, como parte do estudo Spacecast 2020. Uma versão revista desse trabalho pode ser encontrada em "Professional Military Education in 2020," Airpower Journal 9, no. 2 (Summer 1995): 27-41.
14. Discussão inspirada pelo Maj Gen Richard Chilcoat, comandante do US Army War College. Exposição na Conferência sobre Educação Profissional Militar e a Emergente Revolução nos Assuntos Militares, National Defense University, Washington, D.C., 22-23 May 1995.